Heloísa Oliveira atua de forma decisiva em favor da criança e do adolescente no Brasil
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Heloísa Oliveira é uma das vozes mais importantes do Brasil atualmente em defesa da criança. Economista, depois de aposentar-se do Banco do Brasil resolveu recomeçar a carreira ao aceitar convite para assumir o cargo de Administradora Executiva da Fundação Abrinq. Hoje trava uma batalha diária pela garantia dos direitos da criança e do adolescente em gabinetes do Congresso Nacional, conversando com governantes ou por meio das ações da própria Fundação, presente de forma consistente e atuante em todo país.
Nascida em Cataguases, ainda jovem fez carreira em São Paulo, no Banco do Brasil, onde foi gerente executiva para assuntos de governo e, em seguida, presidente da Fundação Banco do Brasil por quatro anos, quando criou uma linha de política pública chamada tecnologia social. Há seis anos encantou-se com o convite da Fundação Abrinq e com a possibilidade de trabalhar com a causa da infância. Desde então vem desenvolvendo um trabalho que já é reconhecido em todo o país. Prova disso é que ela é uma das finalistas do 21º Prêmio Claudia 2016 na categoria Políticas Públicas, a maior premiação feminina da América Latina.
A Fundação Abrinq foi criada em 1990 pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), sem fins lucrativos com a missão de promover a defesa dos direitos e o exercício da cidadania de crianças e adolescentes. Seu objetivo é mobilizar a sociedade para questões relacionadas aos direitos da infância e da adolescência, tanto por meio de ações, programas e projetos, como por meio do estímulo ao fortalecimento de políticas públicas de garantia à infância e adolescência.
De volta à cidade natal neste fim de semana para um evento familiar, Heloísa recebeu o jornalista Marcelo Lopes para uma entrevista exclusiva sobre seu trabalho à frente da Fundação Abrinq, quando falou sobre os principais temas enfrentados pela instituição e destacou: "Estar à frente de uma fundação como a Fundação Abrinq é um presente dos céus para a gente poder fazer as coisas acontecerem e ajudar ainda mais na política das crianças e adolescentes no Brasil". Veja os principais momentos desta conversa a seguir.
Site do Marcelo Lopes: Qual é hoje o maior desafio enfrentado pela Fundação Abrinq?
Heloísa Oliveira: A Fundação Abrinq tem como objetivo melhorar as condições de vida das crianças no Brasil inteiro. Para isso não bastaria ter uma creche ou um atendimento direto. Nós queremos, e este é o grande desafio para a gente, mudar a política de atendimento, quer dizer, atuar para influir na política governamental de atendimento à criança. Esse é o nosso principal desafio, a nossa principal meta.
Site: E hoje qual é o maior projeto em andamento da Fundação Abrinq?
Heloísa: Para os próximos cinco anos o nosso principal canal de trabalho é o Programa Prefeito Amigo da Criança. Nesta gestão que está terminando agora, nós tivemos mil e seiscentos prefeitos de todos os municípios brasileiros que se comprometeram com a infância e aderiram ao programa. Desses, cento e dois municípios cumpriram as metas e mudaram o atendimento à criança. Nós trabalhamos hoje com quinze programas e todos eles estão, de certa forma, interligados a este por uma razão muito simples: a política de atendimento, de educação e saúde da criança acontece nos territórios em que ela vive, que é nos municípios. Então você só consegue gerar uma transformação de fato na vida dos cidadãos, das famílias, das crianças se você tiver uma atuação onde essa criança vive.
Site: Em que consiste basicamente o Programa Prefeito Amigo da Criança? Heloísa: Tem como base metodológica a Convenção Internacional dos Direitos da Criança que prevê algumas áreas de direitos básicos e que devem orientar a política para a infância. A primeira é promovendo vida saudável e isso diz respeito a qualidade de vida, moradia, saneamento básico, saúde, numa primeira dimensão. A segunda dimensão é a educação de qualidade, e aí entra todo o arcabouço de atendimento à educação. O terceiro diz respeito à proteção integral no sentido de garantir que todo o ambiente que essa criança vive esteja sob proteção e com isso você evita maus tratos, exploração, violência. E a quarta dimensão é o orçamento público porque você precisa prever tudo isso em um plano orçamentário que vai fazer com que aquilo que você planejou saia do papel.
Site: Coincidentemente estamos em um período eleitoral. Há algum interesse de candidatos neste Programa?
Heloísa: A gente sempre faz uma ampla divulgação em todo o país. Nós estabelecemos uma meta de conquistar a adesão de pelo menos dois mil e duzentos municípios nesta próxima gestão. A campanha eleitoral começa agora em julho e nós lançamos a campanha do programa exatamente com a campanha eleitoral e aí a gente espera contar com os agentes locais, com os formadores de opinião locais, e aí o seu site tem um papel importante no sentido de convencer os candidatos deles assumirem um compromisso com a infância porque não dá pra você falar de futuro sem falar de criança e adolescente.
Site: O Brasil está em 107º lugar no ranking que avalia a situação dos países quanto aos direitos de crianças e adolescentes e já esteve em 43º. Qual a sua avaliação sobre esta realidade?
Heloísa: Muita gente questionou a metodologia utilizada. Na verdade, esse é um projeto que é alicerçado na estrutura da Convenção dos Direitos da Criança da ONU. O Brasil é um dos recordistas em homicídio. Aqui, por ano, são assassinadas mais de cinquenta e seis mil pessoas, de acordo com o Mapa da Violência. E desse número, cerca de 11 a 12 mil são crianças e adolescentes. E grande parte destes homicídios são cometidos por forças policiais. Isso acabou gerando uma queda de pontuação que fez com que o Brasil caísse. E por outro lado os outros países podem ter melhorado. Porque o ranking é assim: você tem duas formas de avaliar; você pode melhorar e o outro piorar e o inverso. Mas esse número não tem absolutamente nada de mentiroso. É isso mesmo. A situação de proteção à infância e do direito à infância no Brasil é extremamente crítica.
Site: E por falar em direito da criança esta semana o Brasil comemorou os vinte e seis anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, considerado ainda hoje uma das leis mais avançadas do mundo. Qual o balanço que você faz de sua vigência no país? Heloísa: Tem várias coisas que eu gostaria de ressaltar. A primeira é que tem muita coisa que está no ECA e não saiu do papel; outras não se tornaram política de governo e tem política que não consegue alcançar ainda as pessoas em seus diversos territórios. E a gente sofre com o conservadorismo do Congresso Nacional. A gente tem, na minha avaliação, a pior composição que a gente já teve no Congresso Nacional sob o ponto de vista de qualidade dos parlamentares. Essa atual legislatura está absolutamente conservadora, fundamentalista e com a visão rasa das coisas. Não vê que quando se defende a redução da maioridade penal para dezesseis anos por exemplo, estamos assumindo que na verdade, uma série de outras políticas socioeducativas deixaram de ser cumpridas. Por outro lado o sistema socioeducativo tem uma lei de 2012, que é a 12.594 que regulamentou todo este sistema e não está implantada em todo o país até hoje. Tem quatro anos e meio! Falta vontade política porque com ela você viabiliza a questão orçamentária e a implementação. E qual o princípio básico do sistema socioeducativo? Você tem que atuar no começo, dentro dos territórios onde vivem estas famílias criando mecanismos de proteção, escolas em tempo integral, equipamentos de lazer, atividades de cultura. Se você implanta isso, provavelmente, vai ter muito menos adolescente chegando a cometer ato violento grave, porque esse não é o normal. O normal é a criança estudar, brincar, ter lazer, se formar e ser um adulto ativo, normal. Então nós trabalhamos contra a redução da maioridade penal e pela implementação do SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) para que ele se efetive.
Site: Outros dois temas importantes que eu gostaria que você abordasse são o trabalho infantil e a exploração sexual infantil.
Heloísa: O trabalho infantil é uma das bandeiras prioritárias da Fundação Abrinq e que de 2013 para 2014 começamos a verificar que a queda neste índice, que era muito discreta, começou a crescer novamente. Ingressaram no trabalho infantil 187 mil crianças e adolescentes. Só que agora está muito mais difícil combatê-lo porque não está na cadeia formal de trabalho e sim no trabalho infantil doméstico, na exploração sexual, nas propriedades rurais de pequeno porte e agricultura familiar. Só que o trabalho infantil não ajuda no desenvolvimento da criança. Sob outro ponto de vista, quanto mais cedo a família coloca a criança para trabalhar, mais rápidamente ela sai da escola. Então ela vai ter uma baixa qualificação profissional. E se ela trabalha cedo porque é pobre, quando crescer, porque trabalhou cedo e saiu da escola ela vai continuar pobre porque ela só vai acessar emprego de baixa qualificação.
A questão da exploração sexual é absolutamente complexa porque ela muitas vezes sempre tem um adulto envolvido. E você tem de um lado um consumidor deste produto, infelizmente, que são pessoas que têm deformação, que se utilizam de um adolescente e de uma criança sexualmente, e de outro lado você tem um fenômeno em que muitas vezes as próprias famílias estão ligadas. Tem regiões no nordeste onde vemos meninas cada vez mais jovens na beira da estrada sendo exploradas. Isso é uma coisa que é difícil de você alcançar com uma política pública porque as pessoas não denunciam. É preciso aprender a denunciar como uma coisa inaceitável porque não é possível que a gente consiga conviver com o fato de que cada vez mais cedo coloquem meninas para serem exploradas sexualmente por alguém que se aproveita dessa situação. O importante é denunciar. Tudo isso está inserido no contexto de violência, e é preciso que a gente enfrente esta situação de uma forma muito ampla e ao mesmo tempo, muito específica, lembrando que a maior incidência da violência contra a criança acontece dentro do ambiente doméstico.
Site: Diante de uma realidade tão dura vivida pelas crianças do Brasil, qual a mensagem que você deixaria para aqueles que lutam pela causa da infância e adolescência?
Heloísa: Eu vou lembrar do Betinho, o Herbert de Souza, e acho que a gente deve pensar dessa forma quando você olhar para uma criança. Esta citação em que ele disse mais ou menos assim: Se você olha para uma criança e não enxerga uma criança, é porque você está vendo só o que sobrou dela, de tudo o que lhe foi tirado. Então é assim: sem a infância não tem futuro. Se você vê uma criança com o futuro absolutamente comprometido é porque você está vendo só o que sobrou daquela criança que ela seria se não tivesse sido retirado dela todos os outros direitos. É preciso que a gente olhe assim, pense assim, olhe para a infância e enxergue o futuro. É a base de tudo.
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