Em 18/06/2014 às 14h22 | Atualizado em 27/07/2018 às 17h22

O outro lado desconhecido de Cairu

C O M U N I C A D O

Nanzita pintando o crepúsculo sobre a ponte metálica em 2003 (Foto: Vilela)

Nanzita pintando o crepúsculo sobre a ponte metálica em 2003 (Foto: Vilela)

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Criei o Memorial Nanzita para preservar as relíquias daquela mulher que, enquanto se dedicava à música e as artes plásticas, dedicava-se também a servir ao próximo, seguindo os princípios cristãos que abraçou por toda a vida. 
Entre muitas obras sociais, abriu as portas de sua casa para costureiras fabricarem agasalhos destinados a crianças e adultos das áreas mais carentes de nossa comunidade. E não só isso: também ministrava aulas de desenho e pintura, iluminando um pouco aquelas mentes obscurecidas pela falta de incentivo ao talento.
Houve, porém, um contratempo, provocando a descaracterização e destruição daquele patrimônio cultural e afetivo, um legado ao povo de Cataguases, contratempo este que foi um tiro certeiro no meu coração. 
Em estado de choque, lembrei-me de um texto da poeta e professora Márcia Carrano, escrito após a morte de Nanzita, em que ela diz, num trecho: "A lágrima de Cairu bate pedra no peito – e depois vira estrela". 
Palavras que definem sob medida minha personalidade, bem como a de Nanzita, posto que nunca nos deixamos abater por contratempos. Por isso, sinto, na camada mais profunda do meu ser, que, dentro de dez anos, ou pouco mais, irei ressuscitar, para virar "uma pincelada no azul", citando de novo Márcia, cujo texto completo transcrevo abaixo.
Depois, tranquilo, de alma lavada, como diz um samba da minha terra, carioca de nascimento que sou, e cataguasense, desde que conheci Nanzita, "vou morar no infinito, vou virar constelação".
Até lá.

Cairu Teles Nunes




Uma pincelada no azul

Márcia Carrano


Memória é presença, superação de contingências. Por isso, Nanzita me chega mais presente que lembrança. Não importa a fragmentação temporal.

Contida, mas ao volante, no longo carro azul-claro. Doutor Otônio... e a medicina, e a política, e sempre a Nanzita. Me parece indecifrável: simpática e distante. Há um plano, não?

Subitamene, torna-se viúva. O que virá? Desatino e luto?

Eis que ultrapassa Cataguases, indo e vindo estrada afora. Do Rio volta pura expressão de cores e sentimento. Cairu, a arte, a vida rebentando surpresas. Nanzita - fênix arregalando os olhos da província.

Ele abre espaços, alarga avenidas, enfeita praças, arma telas, na terra da mulher. "Abram alas", sussurra ou grita, "deixem meu amor passar". A casa, obra de arte, salpica risos, tintas e luz no lugar. 

Os dois, inseparáveis, salvam-se entre pincéis e pinceladas. A arte salva-a, salva-os, salva a todos nós. A cada quadro pintado, mais vida para correr nas vielas de ganhos, perdas e danos, sina dos mortais.

A arte não morre, ela não deixa, ele também não. Ela arma com as tintas. Ele, com as palavras. Juntos tecem uma história para si mesmos e para os outros. Admiráveis, traçam trilhas de cultura na cidade já tantas vezes demarcada de artes.

Agora, "de repente, não mais que de repente", a Nanzita está, mas não está. Flutua no ar puro de todas as cores, na síntese do silêncio vital. A lágrima de Cairu bate pedra no peito – e depois vira estrela.

A memória não existe: a memória guarda a essência; a arte guarda a pintora.


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Autor: Cairu Teles Nunes

Tags: Cairu, artes plásticas, Nanzita





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