Em 10/02/2013 às 16h30 | Atualizado em 27/07/2018 às 17h22
São Paulo - "Minha escola foi o carnaval". A declaração do aderecista Luís Carlos dos Santos, 40 anos, da escola de samba paulistana Leandro de Itaquera, do grupo de acesso, exemplifica o que ocorre com muitos trabalhadores envolvidos com a festa: o ofício carnavalesco se aprende fazendo. "Antes era pintor de parede, comecei a costurar no carnaval. A gente aprende com quem já fazia antes", relatou. Hoje, o aderecista coordena uma equipe de quatro pessoas que decoram carros alegóricos e fantasias de duas agremiações de São Paulo. "O dinheiro que a gente ganha aqui é melhor", justifica.
A história de Luís Carlos com a festa começou há 15 anos na Unidos de Santa Bárbara, no Itaim Paulista, na zona leste da capital. Convidado por um amigo, ele começou a trabalhar no barracão da escola do grupo de acesso e, com o tempo, foi conquistando espaço e tornando-se referência no trabalho com adereços. "Depois vim para Leandro, que é minha escola do coração, mas o carnaval é também uma questão profissional. Por isso, a gente trabalha também com a [Acadêmicos do] Tucuruvi, que está no grupo especial", explicou.
Rodrigo Catete, carnavalesco da Leandro de Itaquera, explica que a profissionalização é uma das principais características do carnaval feito atualmente. "Hoje a maior parte do trabalho é remunerado. A gente não tem mais aquilo que existia antigamente de a comunidade vir, ajudar, são bem poucos", relata. Ele avalia que isso, apesar de trazer perdas, como o distanciamento com a comunidade, faz parte do "processo de evolução do carnaval", destaca.
"A gente tem que mostrar um espetáculo cada vez maior e melhor. Tem que mostrar um trabalho qualificado. Antes tinha a coisa da folia do carnaval. Perdeu-se um pouco disso. Hoje é competitivo, tem o vínculo com as redes de televisão, com os patrocinadores. Se não for assim, você não consegue se manter no circuito. Você tenta contratar os melhores profissionais de cada área", declarou. Este ano, a Leandro de Itaquera traz o tema da resistência negra para a avenida.
O carnavalesco destaca, por outro lado, que algumas pessoas da própria comunidade entenderam esse processo e se capacitaram para assumir a demanda do carnaval. "Há famílias que viram o carnaval como forma de ganhar dinheiro extra nessa época do ano. Elas pegam uma ala pra fazer e fazem dentro de casa. Elas aprenderam a costurar, a bordar. Mas tem aquelas que, infelizmente, não se enquadraram e acabaram se distanciando do carnaval", explicou.
De acordo com Paulo Sérgio Ferreira, presidente da Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo, no período próximo ao carnaval, cada escola mantém, em média, 200 funcionários. “Durante todo o ano, as do grupo especial mantém de 10 a 15 funcionários registrados, mas agora esse número chega até 250 por prestação de serviço”, explica. Entre as 14 escolas do grupo especial e mais oito do grupo de acesso, o número de profissionais mobilizados chega 4,5 mil, vinculados diretamente às agremiações.
Na hora de acertar os valores cobrados pelo serviço, no entanto, a paixão pela escola de Itaquera, bairro da zona leste onde mora Luís Carlos, interfere na negociação. "Aqui [na Leandro], trabalho praticamente para pagar meus funcionários. Na Tucuruvi, peguei em torno de R$ 15 mil por ala. Na Leandro, fechei por R$ 6 mil o trabalho até o carnaval. Não foi pelo carro", informou. De acordo com o aderecista, nas duas escolas são feitos contratos de prestação de serviço: ele fica responsável por remunerar a equipe. O trabalho se inicia em dezembro e segue até o carnaval.
Além do barracão, onde são preparados os carros alegóricos, cerca de 15 ateliês profissionais e da própria comunidade confeccionam as fantasias. "Contabilizamos 156 pessoas trabalhando para a Leandro", informou Leandro Alves Martins, 62 anos, presidente e fundador da escola. Parte do recurso que a agremiação recebe da prefeitura, cerca de R$ 400 mil, segundo a São Paulo Turismo (SPTuris), é destinada à remuneração dos trabalhadores. "Mas sempre há um déficit nas contas, principalmente quando a gente cai [para o grupo de acesso] que é mais difícil patrocínio", declarou.
É esse trabalho no carnaval que ajuda Luís Carlos a se manter durante todo o ano. "Consigo minhas costuras em casa, mas o ano todo continuo fazendo trabalho para as escolas que precisam, como os pilotos de algumas peças. A folga do carnaval é só em março e abril, depois já começa", explicou.
Assim como o aderecista, Elaine Cristina Correia, 44 anos, que trabalha como decoradora na escola de samba Vai-Vai, do grupo especial, também não tem descanso em outros meses do ano. "Mesmo em outras épocas, acabo conseguindo alguma coisinha que o povo do samba me indica, mas o único período que tenho um trabalho mais fixo é sempre o carnaval", explica. Ela, que já trabalhava com artesanato, começou no carnaval em 2003, na escola Mancha Verde, e na Vai-Vai já está há oito anos.
Elaine conta que aprendeu artesanato por conta própria, lendo revistas e assistindo televisão, mas no barracão teve que adaptar o trabalho em miniatura para estruturas de grande escala. "Digo que, na escola de samba, o artesanato é gigante. Logo na Mancha aprendi a cortar tecido em tamanho maior e a melhorar o acabamento", relata. A decoradora recebe cerca de R$ 1,2 mil por mês em contrato de trabalho de prestação de serviço somente para os meses que antecedem o carnaval.
Além de Elaine, mais 63 pessoas trabalham na confecção dos carros alegóricos da Vai-Vai, de acordo com o diretor de barracão, Carlos Henrique Pereira. Metade das fantasias das 32 alas da escola, por sua vez, é fabricada em 12 ateliês, a outra metade é entregue a chefes de ala que se responsabilizam por confeccionar e vender as fantasias.
Para cada escola do grupo especial, a prefeitura faz o repasse de R$ 700 mil. Segundo presidente da Liga, o orçamento final de cada agremiação varia entre R$ 2,5 milhões a R$ 3,5 milhões. “Poucas escolas conseguem patrocínio. Essa diferença tem que ser conseguida pela própria escola”, destacou Paulo Sérgio. O total de investimento público para a festa é de R$ 24 milhões, segundo a prefeitura, incluindo o repasse para as entidades e a infraestrutura para a festa.
A estimativa da SPTuris é que 280 mil foliões compareçam à programação oficial do carnaval paulistano este ano. A previsão é que o desfile das escolas de samba no Anhembi, nos dias 8, 9 e 10 de fevereiro, atraia mais de 100 mil pessoas, sendo que 15% desse público será formado por turistas. A prefeitura apoia ainda eventos de rua e desfile de escolas de samba de grupos de categoria de base.
Fonte e foto: Agência Brasil