Em 11/01/2013 às 09h47 | Atualizado em 27/07/2018 às 17h22

Comunidade guarani-kaiowá aguarda decisão sobre área em Rio Brilhante

Segundo o cacique Farid Mariano, os índios reivind

Segundo o cacique Farid Mariano, os índios reivind

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Com 3.987 quilômetros quadrados e pouco mais de 30,6 mil habitantes, Rio Brilhante, na região sudoeste de Mato Grosso do Sul e a 160 quilômetros da capital, Campo Grande, é uma das principais produtoras de cana-de-açúcar do Brasil. Nos últimos anos, contudo, a cidade tem aparecido no noticiário nacional com alguma frequência devido à disputa de terras entre fazendeiros e cerca de 140 índios guarani-kaiowá que vivem no acampamento conhecido como Laranjeira Ñanderu.

Segundo o cacique Farid Mariano, os índios reivindicam que a União reconheça como território tradicional indígena, ou solo sagrado (tekoha), a área que pertenceu aos seus antepassados. A área pleiteada é uma das 39 que constam de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em 2007 pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Fundação Nacional do Índio (Funai), que previu a criação de grupos técnicos para identificar e delimitar as eventuais áreas indígenas.

Farid estima que, se reconhecida, a nova reserva pode chegar a 11 mil hectares (um hectare corresponde a 10 mil metros quadrados, o equivalente a um campo de futebol oficial), mas a Funai informa ser impossível precisar o tamanho de qualquer nova área indígena antes de concluídos os estudos antropológicos necessários à demarcação.

Enquanto aguardam a conclusão dos estudos - retardados por sucessivos recursos judiciais de fazendeiros e pela dificuldade dos trabalhos de identificação - os índios têm vivido precariamente em acampamentos provisórios montados no interior da Fazenda Santo Antônio da Nova Esperança. Eles ocuparam a área pela primeira vez em 2007, mas em setembro de 2009 foram retirados pela Justiça, em cumprimento a um pedido de reintegração de posse. Sem ter para onde ir, acamparam às margens da movimentada rodovia BR-163, onde, conforme Mariano, pelo menos quatro pessoas morreram atropeladas durante os dois anos em que o grupo permaneceu ali.

Em maio de 2011, as famílias que não se separaram do grupo decidiram contrariar a ordem judicial e voltar a ocupar parte da reserva legal da mesma fazenda. Ali permanecem até hoje, concentrados em 25 hectares, beneficiados por uma decisão judicial que suspendeu a reintegração de posse até que a Fundação Nacional do Índio (Funai) conclua a perícia antropológica necessária para confirmar se a área faz parte, de fato, de um tradicional território indígena.

Iniciados pela Funai ainda em 2008, mas logo interrompidos por decisão da 2ª Vara da Justiça Federal em Dourados, que atendeu a um recurso de fazendeiros contrários à realização do trabalho, os estudos antropológicos, embora já retomados, ainda não foram concluídos. No início de dezembro, a presidenta da autarquia, Marta Azevedo, prometeu que os relatórios de todas as áreas em estudo no estado seriam divulgados até o fim de 2012.

Na terça-feira (8), a fundação divulgou o resultado preliminar de um dos processos de reconhecimento de 39 tekohas em sete áreas reivindicadas como indígenas. O estudo reconhece como território tradicional indígena uma área de 41,5 mil hectares na cidade de Iguatemi (MS), a cerca de 460 quilômetros da capital, Campo Grande. Tanto para os índios, quanto para os produtores rurais, a demora aumenta o clima de insegurança jurídica e de apreensão.

Com o futuro indefinido, os índios de Laranjeira Ñanderu não podem plantar e dependem das cestas básicas e da assistência governamental. Vivem precariamente em barracos de lona e palha. Ao visitar o local, as equipes da Agência Brasil e da TV Brasil constataram que várias famílias usam também os sacos de polipropileno, os chamados big bags, para recobrir os abrigos. Os big bags costumam ser usados para transportar fertilizantes ou, nos postos credenciados, para armazenar as embalagens de agrotóxicos devolvidas pelos produtores, caso em que têm que ser devidamente descartados.

“A terra que estamos pedindo pertence ao meu povo, que já vivia aqui muitos anos antes de o fazendeiro registrar a propriedade”, disse o cacique Farid Mariano, acrescentando que se o território for reconhecido e homologado, índios da comunidade que se mudaram para outros lugares em busca de melhores condições de vida vão poder voltar a se juntar à comunidade.

“Depois que ganharmos esta terra vamos ter que replantar tudo, porque, hoje, só tem cana e soja na região”, disse o cacique, para quem a comunidade vive como em um “cativeiro”, impedida inclusive de ir e vir, já que o acesso ao local onde o grupo se instalou, a cerca de 4 quilômetros da rodovia, é feito por dentro da fazenda vizinha.

Para garantir a presença das crianças na escola, no início de 2012 a Justiça Federal determinou que a prefeitura de Rio Brilhante garantisse o acesso dos ônibus escolares às fazendas que levam à aldeia. No dia em que a reportagem visitou a área, presenciou o trânsito de ônibus e de uma caminhonete da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em uma das propriedades. Os índios, contudo, reclamam que até mesmo ambulâncias já foram impedidas de chegar ao acampamento.

“Há limites para o direito de ir e vir. Isso aqui é uma propriedade particular”, reclama o fazendeiro José Raul das Neves. Embora oficialmente sua fazenda não seja objeto do litígio judicial ou, até onde seu dono sabe, alvo dos estudos demarcatórios, Raul é um dos maiores alvos das críticas da comunidade guarani-kaiowá. Tudo porque, para chegar à aldeia, os índios ou qualquer veículo têm que passar por dentro da fazenda de Neves, aproveitando uma estrada de terra que o arrendatário de parte da propriedade abriu para escoar a produção de soja.

Lembrando que quer apenas preservar o que é seu, Neves garante ter comprado a propriedade no início dos anos 1950. “Estou aqui há mais de 50 anos. Quando cheguei, conversei com pessoas que viviam aqui quase este mesmo tempo e ninguém nunca me disse que havia aldeias por aqui. Podia até haver um ou outro índio, inclusive trabalhando nas fazendas de erva-mate, mas aldeia nunca houve”, sustenta Raul, exibindo documentos que indicam que a fazenda de 400 hectares está devidamente regularizada e tem sido legalmente negociada desde 1852.

Para o fazendeiro, a demora da Funai em concluir os estudos antropológicos é prova de que a terra nunca foi território indígena. “O estudo está demorando muito para ser feito porque o antropólogo não consegue contar uma história convincente. Para mim, é bom que demore, porque não há estudo da Funai favorável ao produtor rural. E mesmo que os índios tenham vivido aqui muito tempo atrás, tem uma coisa: o Brasil inteiro um dia foi terra indígena. Não havia índios onde hoje está a Avenida Paulista, em São Paulo? Na Avenida Brasil, no Rio de Janeiro, ou em Natal? Eles não têm os mesmos direitos do que os que querem estas terras? Então, se o governo quiser fazer justiça, vai ter que arrumar muita terra”, conclui o fazendeiro.

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