Em 14/10/2012 às 21h00 | Atualizado em 27/07/2018 às 17h22
Na abertura do julgamento do goleiro Bruno Souza e de outros quatro envolvidos no sumiço e morte de Eliza Samudio, marcado para 19 de novembro, é de se esperar por uma voz serena, em tom de baixo a médio. Mas a mulher por trás da voz é uma obcecada pela verdade, conhecida por não tolerar manobras. Esse é o estilo da juíza Marixa Fabiane Lopes Rodrigues, que, com quase 14 anos de magistratura, presidirá um dos mais esperados júris da história recente da Justiça brasileira.
Bruno Fernandes já conhece o estilo de Marixa. Na fase da instrução processual, mal começou a contar sua versão do dia em que conversou amigavelmente com Eliza debaixo de um pinheiro, numa mesa de vidro, e foi questionado pela juíza se ele pretendia falar a verdade sobre o caso. Em tom sereno, lembrou que ele continuava preso, assim como os outros acusados, apesar das promessas da defesa de que não ficariam mais que 100 dias detidos. Um recado de que ela não estava ali para um bate-papo entre amigos.
Aos 42 anos, Marixa, mãe de três crianças, uma ainda bebê, é definida como linha-dura por advogados que atuam no Fórum de Contagem, na Grande BH. Avessa a entrevistas, não quis falar ao Estado de Minas sobre o julgamento que se aproxima. O estilo é influência do desembargador aposentado Eli Lucas de Mendonça, que Marixa conheceu em 1996, quando ingressou no Judiciário mineiro. Então juiz da Vara de Tóxicos, Mendonça ficou conhecido pelo combate a organizações criminosas e a esquemas de tráfico de drogas.
Marixa era escrevente de Eli Lucas e passou a admirá-lo pela inteligência e firmeza. Nascida em Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, a 446 quilômetros de Belo Horizonte, ela sonhava em ser farmacêutica. O gosto pelos números e a química deu lugar ao curso de direito, já que perto de casa não havia a opção desejada. Transferiu-se para a capital e concluiu em dezembro de 1994 o curso na PUC Minas. Na magistratura, já atuou em Campo Belo (Centro-Oeste), Nepomuceno (Sul do estado) e Caeté (Grande BH).
A magistrada chegou a Contagem em maio de 2009. Atualmente, é juíza sumariante, que cuida de ouvir testemunhas e réus e decidir se os manda a júri popular, além de presidir julgamentos. Com o período de eleições, acumulou a função de juíza da 90ª Zona Eleitoral. Não é a primeira vez que ela se vê diante de um júri de grande repercussão. Em setembro de 2009, presidiu o julgamento que terminou com a condenação do empresário Luciano Farah a 19 anos de prisão pela morte de um homem que assaltou um de seus postos de combustíveis. Farah já havia sido condenado anteriormente, em BH, pelo assassinato do promotor de Justiça Francisco José Lins do Rêgo.
‘Palco dos horrores’ Bruno foi preso em 7 de julho de 2010, dias depois de iniciada as apurações do sumiço de Eliza Samudio, ex-amante dele e com quem teve um filho. Ela foi vista pela última vez em 10 de junho daquele ano. Era o começo das investigações, mas Marixa Fabiane foi dura em seu despacho para justificar a prisão temporária de Bruno e mais sete acusados. “Certamente, acreditam que praticaram o crime perfeito. Ledo engano”, afirmou ela, se referindo ao sumiço do corpo de Eliza.
Ao tomar conhecimento de detalhes do caso, classificou a ação como “palco dos horrores”. Os advogados a acusaram de prejulgamento, mas ela manteve-se irredutível quanto às prisões. “Nos bastidores, as testemunhas, temerosas pelo que lhes possa ocorrer, calam-se, omitem-se, e os envolvidos fazem o possível para apagar todas as pistas que lhes possam incriminar”, justificou, à época. Em agosto de 2010, Marixa transformou a prisão temporária dos acusados em preventiva. A defesa de Bruno já teve mais de 80 negativas em pedidos de habeas corpus e outros benefícios.
A instrução processual veio em outubro de 2010, com 10 sessões para ouvir testemunhas e réus, e se prolongou até novembro. Depois das audiências, em casa, Marixa costumava ler os volumes digitalizados do processo, armazenados num pen drive. A sentença de pronúncia acatou em parte a tese do Ministério Público. Nessa fase de instrução, a juíza precisou de paciência para enfrentar manobras dos advogados, que iam do ronco profundo de um deles na audiência a provocações de outro.
Quando ainda estudava direito, Marixa chegou a pensar em ingressar no Ministério Público. Como promotora de Justiça, não teria de carregar o fardo de tomar decisões sobre a vida das pessoas. Hoje, não demonstra dificuldades em dar opiniões fortes, mesmo fora do tribunal. Já declarou ser contra o aborto, mesmo em caso de estupro, e admitiu que a pena de morte poderia ser uma medida para conter o avanço da criminalidade.
Desde o início do inquérito policial, a defesa de Bruno dizia que a comarca de Contagem não era competente para processar e julgar a causa. Entre janeiro e julho deste ano, Marixa esteve de licença-maternidade, o que abriu possibilidade de que não presidisse o júri. Os vários recursos das defesas, no entanto, atrasaram o processo e permitiram que ela voltasse a tempo de conduzir o julgamento. A colegas mais novos de magistratura, a juíza costuma dizer que, entre a letra fria da lei e a justiça, decidirá sempre pela última. Alento ou tormento para Bruno?
RAIO-X DO JULGAMENTO
Local: Tribunal do Júri de Contagem
Data: 19 de novembro, com sessão prevista para se iniciar às 9h
Duração: previsão é de duas semanas
Presidência: Marixa Fabiane Lopes Rodrigues
Promotor: Henry Wagner Vasconcelos
Réus: Bruno Fernandes, Luiz Henrique Romão, Marcos Aparecido, Dayanne Rodrigues e Fernanda Gomes
Jurados: serão sorteados sete integrantes para o Conselho de Sentença
Testemunhas: serão cinco de acusação e cinco de defesa para cada réu, em um total de 30. Foram ouvidas 142 testemunhas e nove acusados – Bruno, Luiz Henrique, Dayane Rodrigues, Fernanda Gomes, Sergio Rosa (morto), Marcos Aparecido, Elenilson Vitor, Wemerson Marques e Flávio Caetano, que acabou sendo despronunciado –, além do menor Jorge Luiz Rosa
Números: processo tem 38 volumes com 9.456 páginas; há 74 itens relacionados a objetos (notebooks, DVDs, celulares, documentos e bens apreendidos); mais de 50 advogados passaram pelo caso
* Os acusados Wemerson Marques e Elenilson Vítor tiveram seus julgamentos desmembrados dos demais envolvidos, a pedido das defesas deles
ENTENDA O CASO
De acordo com a denúncia oferecida à Justiça pelo Ministério Público, em 4 de junho de 2010, Macarrão e um primo de Bruno sequestraram Eliza e o bebê, a agrediram e a levaram para a casa do goleiro no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro. No dia seguinte, Eliza foi levada para Contagem, na Grande BH, e depois para o sítio do goleiro, em Esmeraldas, onde teria sido mantida em cativeiro até ser morta, em 10 de junho. O homicídio teria ocorrido à noite, em Vespasiano, num imóvel do ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, o Bola, que teria estrangulado Eliza. O ex-policial também teria sumido com o corpo, que ainda não foi encontrado. Segundo a denúncia, o filho de Eliza foi levado de volta ao sítio. Lá, Bruno, Macarrão, Sérgio Sales e o adolescente queimaram a mala e as roupas da vítima. Os acusados foram para Ribeirão das Neves e de lá para o Rio, em um ônibus que transportava o time mantido por Bruno. Dayanne, ex-mulher do goleiro, ficou com o bebê no sítio. Em 18 de junho, ela viajou e deixou a criança com Elenilson da Silva, caseiro do sítio, e Wemerson Souza, amigo de Bruno. O garoto foi entregue para uma mulher, que o repassou para outra. O bebê foi localizado pela polícia, depois de denúncia da morte de Eliza. Todos os envolvidos foram presos e denunciados à Justiça. Atualmente, apenas Bruno, Macarrão e Bola aguardam julgamento presos.
Fonte e foto: UAI